
Imagine que você vai morar numa casa estranha, com hábitos muito diferentes dos seus. Você não se sente confortável, mas é a única saída. A porta está trancada e você não tem como escapar. O jeito é se adaptar e arquitetar um plano de fuga. Mas mesmo que você vá embora, nada será como antes. É essa extrema claustrofobia que faz de A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar um filme único, apesar das inúmeras referências.

Como bom cinéfilo que é, Almodóvar foi buscar em seus filmes preferidos detalhes para construir a história de A Pele que Habito. Mesmo que o cartaz do filme informe que a produção é inspirada no livro Tarântula, do escritor francês Thierry Jonquet, não há como negar a presença de dois clássicos do cinema de terror dentro da trama: A Noiva do Frankenstein, de James Whale e Os Olhos sem Rosto, de Georges Franju. Da ótima sequência do clássico Frankenstein, de 1931, estrelada pelo sempre assustador Boris Karloff o diretor espanhol trouxe a exuberância das imagens de corpos sendo moldados, construídos e desconstruídos. Já do filme francês, lançado em 1960, Almodóvar buscou o desespero psicológico angustiante, um terror sem sustos nos corredores. Com essa mistura ousada, A Pele que Habito resulta num filme de terror que nos dá medo por suas situações e não por seus monstros. A “aberração” que nos é apresentada pelo protagonista passa longe da feiúra, é delicada e feminina. Um “monstro” que, ao invés de provocar arrepios, nos clama misericórdia.
Fazer uma sinopse mais profunda de A Pele que Habito seria estragar a surpresa e o ápice do filme que, em seus longos flashbacks, nos apresenta a jornada que transformou o cirurgião Roberto Ledgard em um homem obcecado por vingar o suposto estupro da filha. Mas será apenas vingança ou há por trás do renomado médico um cientista louco escondido?
A Pele que Habito é um marco na carreira de Almodóvar que, mesmo sem perder o estilo excêntrico herdado pela Movida Madrileña, movimento cultural onde ele iniciou sua vida de cineasta, ganhou uma elegância que filmes como De Salto Alto e Kika não apresentam. Um Almodóvar maduro, mas fiel às suas raízes loucas e entorpecidas dos anos 80.
Medo, ciência, loucura, voyerismo. Tudo isso se mistura criando um DNA único. Não é preciso mais o vermelho-sangue nos figurinos e nos cenários. O que faz A Pele que Habito ser Almodóvar até a última gota são os detalhes.