quinta-feira, 28 de abril de 2011

Lee ao quadrado e o mundo doido


O mundo é mesmo muito doido. Um ator leva uma carreira para construir sua imagem de machão, encarando um papel de coronel turrão ou soldado sofredor atrás do outro pra no final levar um prêmio da Academia por um papel cômico. Foi isso que aconteceu com o saudoso Lee Marvin que, em 1965, colocou na estante (ou em cima da lareira, vai saber...) o homenzinho dourado por seu papel duplo em Dívida de Sangue, títulozinho mequetrefe para o filme que narra a trajetória da pistoleira Cat Ballou, vivida pela lindona Jane Fonda.
A metade dos anos 60 foi um período de mudanças no gênero western, graças a chegada das produções européias recheadas de humor. Dívida de Sangue foi contaminado por esses filmes, mas possui uma autenticidade ímpar. Juntou canções no melhor estilo musical da Broadway (interpretadas pelo comediante Stubby Kaye e por Nat King Cole!!!), muitos tiros e uma dose inteligente de diálogos engraçados. Isso sem contar a ousadia na escolha do elenco. A sexy Jane Fonda ganhou ares de professorinha e a cara amarrada de Lee Marvin teve que se dividir em duas. Uma hora ele é o malvadão sem nariz Tim Strawn e na outra o bêbado pistoleiro Kid Shelleen.

Uma prova de que a escolha de Marvin para o papel foi certeira é que o espectador consegue esquecer a fama de mau do ator, que arranca gargalhadas com suas caretas alcóolicas. Mas a cena crucial é a da transformação. Gastando munição em suas garrafas vazias de whisky para melhorar a mira e passando um perrengue para voltar a ser sóbrio, Kid Shelleen muda de sapo para príncipe numa das sequências mais legais do filme. A gente nem lembra que o pistoleiro charmoso já fez muita gente sofrer no clássico Os Doze Condenados, de Robert Aldrich.
O diretor de Dívida de Sangue, Elliot Silverstein, conseguiu colocar no filme um clima leve, divertido e um ótimo ritmo nas cenas de ação. Ele podia muito bem ter deixado a palavra paródia tomar conta do enredo e transformar tudo numa chata avacalhação do gênero western. Mas não. Há um respeito, uma preocupação com detalhes que deixa claro que Dívida de Sangue é um faroeste engraçado e não simplesmente uma comédia pastelão ambientada no velho oeste.
Mais uma prova de que esse mundo é doido, é que Elliot Silverstein iria dirigir anos depois de Dívida de Sangue um dos westerns mais violentos de todos os tempos: Um homem chamado cavalo, que marcou a história do gênero por suas cenas cruas de tortura. Prova de que se arriscar em vários tipos de filme não é atestado de falta de talento.

Bjus da Bia

sábado, 23 de abril de 2011

Sem redenção


Uma notícia de jornal pode ser o ponto de partida para um bom filme. Foi assim que nasceu o roteiro de Segredos de um funeral, título fraco para um filme originalmente chamado Get Low. Inspirado por uma história publicada na revista Time em 1938, o longa apresenta a história de Felix Bush, um carpinteiro velho e rabugento que vive enclausurado em sua casa no meio da floresta e que é tido como uma lenda em sua cidade graças a sua fama de brigão. Se ele já atraía olhares só pelo fato de dirigir sua carroça em direção ao bar, a coisa só piora quando Bush resolve organizar seu funeral. Seria apenas alguém que sente que o fim está próximo e quer deixar tudo organizado para descansar em paz. Mas Bush quer tambores, comida e bebida. E quer estar lá. Vivo, diga-se de passagem. O que parece loucura para os moradores da cidade torna-se a grande chance para o vendedor Buddy e seu chefe Frank, que trabalham numa funerária que está mal das pernas.
Vivendo a maluquice que é agir como um organizador de festas sendo um agente funerário está o sempre ótimo Bill Murray, num papel que foge um pouco do estilo de personagem que o consagrou. Saí o cara solitário com cara de paisagem do século XXI e entra o endividado e ganancioso viúvo do final da década de 40. Mas o humor sutil e os diálogos ditos com naturalidade de Murray continuam lá, para tranquilidade dos fãs conquistados pós- Encontros e Desencontros. Só que o filme não pertence a ele, mas sim ao veterano Robert Duvall, que dá mais do que corpo e voz para o misterioso Felix Bush. O que na mão de outro ator podia tornar-se um velhinho solitário quase pueril, no talento de Duvall torna-se um caso a ser desvendado, um ser humano tentando fazer as pazes com o mundo. E mais, sofrendo para tornar isso uma realidade. As cenas de Duvall ao lado de Sissy Spacek são delicadas e ao mesmo tempo impactantes, já que somos, aos poucos, apresentados aos motivos que levaram Bush ao isolamento.
Segredos de um funeral é um filme raro em tempos politicamente corretos como os que vivemos hoje. Sem querer estragar o final, mas se você, caro leitor, curte um "felizes para sempre", prepare-se: não há redenção no filme. Nenhum anjinho cai do céu e perdoa os pecados dos personagens e o amor também não salva ninguém por estas bandas. Justamente por isso merece o nosso aplauso.

Bjus da Bia

domingo, 17 de abril de 2011

Grandes filmes, filmes grandes


Lá se vão 20 anos sem David Lean. Durante muito tempo ele foi para mim o homem que sabia adaptar Charles Dickens com perfeição para o cinema. Nunca parei para contar, mas deve ter sido mais de uma dezena o número de vezes em que assisti uma versão dublada de Grandes Esperanças, gravada da TV no meu saudoso vídeo-cassete. Quando a fita mostrou sinais de desgaste, eu já estava mais interessada na versão mais atual, sexy e esverdeada dirigida pelo mexicano Alfonso Cuáron.
Mesmo que o seu Oliver Twist seja disparado a mais emocionante adaptação da história do jovem orfão para as telas, o nome de Lean será para sempre associado ao clássico Lawrence da Arábia, filme que lhe rendeu o Oscar de melhor direção em 1963, além de levar mais 6 estatuetas para casa. Também pudera: se a Academia gosta de filmes grandes, Lean criou um gigante das telas.

Lawrence da Arábia tem grandes cenários, desertos sem fim, figurantes aos montes. Cada cena é uma obra-prima, um ápice, enche os olhos até dos amantes do minimalismo. Lean sabia o poder que as paisagens desérticas tem na telona e não poupou esforços para mostrá-los das maneiras mais belas possíveis, apoiado na boa história vivida por T.E. Lawrence.
Mas Lean era, antes de tudo, um cara esperto. No meio de toda essa grandiosidade ele colocou um belo par de olhos azuis que atendem pelo nome de Peter O'Toole, um dos atores mais talentosos do cinema e do teatro. A enigmática e quase rude personalidade de Lawrence transborda na interpretação dele, uma verdadeira transformação, se levarmos em conta que O'Toole é um homem conhecido por seu jeito atencioso e delicado.
Lean lançou ao deserto um grande ator e acertou em cheio. Prova de que um filme grandioso pode ser um grande filme. Pena que nos resta sentir saudades de diretores com esse faro, tão raros nos nossos tempos. Mas como surpresas existem aos montes, nada impede que amanhã tudo mude como as areias do deserto.

Bjus da Bia

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A mulher, o monstro e o povo


Vamos brincar de dar um nó nos contos de fada? Então, vamos lá! Chapeuzinho Vermelho não é mais um simples menininha que atravessa a floresta para visitar sua avó doente, mas sim uma criativa garota com dotes para criações audiovisuais. No meio do caminho, ela encontra um lobo mau de bigode e cabelos lambidos que lhe propõe criar filmes que mostrem ao mundo o quanto ele é bom para os habitantes da floresta. Só que nós sabemos que Sr. Lobo só respeita coelhos branquinhos e uma que outra raposinha. O resto está condenado à faca. Ou melhor, aos dentes. Chapeuzinho topa a parada e usa todo seu talento para apresentar na tela o poder do Lobo Mau. Ganha uma boa grana e passagem livre para o estrelato, pelo menos dentro da floresta. Foi mais ou menos isso que aconteceu com a senhorita Leni Riefenstahl.
Talentosa cineasta, Leni usou toda sua técnica e bom gosto estético para vender ao mundo a imagem de um Hitler preocupado com o povo e disposto a tornar o mundo melhor. Contratada pelo partido nazista, ela criou documentários que, para quem caiu de pára-quedas no mundo agora, provocam admiração. Em O triunfo da vontade, sua obra mais conhecida, Leni registra o Congresso do Partido Nazista, sediado em Nuremberg em 1934. Seria um simples documento para os arquivos do Terceiro Reich, não fossem os ângulos utilizados, sempre privilegiando Hitler. Isso sem contar os close-ups nos rostos das crianças sorridentes vendo o führer desfilar em carro aberto, tal e qual um herói nacional.

O triunfo da vontade cumpre a sua função e não se pode negar o talento de Leni para filmar multidões e discursos. Mas nada se compara a Olympia, documentário de 1938. O que era para ser apenas um registro das Olimpíadas de Munique torna-se um verdadeiro balé de corpos perfeitos. Atletas exibindo o melhor de sua forma em movimentos precisos. O impacto dessa "dança" é tão forte que há momentos em que esquecemos que por trás dessas imagens há um dos maiores assassinos que a humanidade já conheceu. Um exemplo desses momentos de ilusão que Olympia nos dá, são as vitórias do atleta negro e americano Jesse Owens, presenciadas pelos grandões da cúpula nazista. Será um sinal de que Leni não apoiava Hitler, como afirmou em diversas entrevistas? Acho difícil. Registros da época de sua visita a Hollywood afirmam que ela se considerava uma cineasta genial e gostava de armar barracos em hotéis. Um pezinho no nazismo ela tinha.
Talvez hoje nós estáriamos contando outra história se o talento de Leni Riefenstahl tivesse sido usado para outros fins ou se ela tivesse dito não para Adolf Hitler. Não há como saber o que a levou a aceitar esse convite. Mas não custa sonhar e acreditar que a verdadeira vontade da menina Leni era apresentar nos seus negativos toda a verdade, com todas as letras: senhoras e senhores, eu lhes apresento...o monstro.

Bjus da Bia

Mais sangue, por favor!


Não é o futebol. A verdadeira caixinha de surpresas da vida é a mesa de bar. É nesse lugar agradável, ou nem tanto, que as pessoas se revelam e você acaba descobrindo que as aparências enganam. Ou melhor, que cada um escolhe uma "cara" para aparecer por aí. Prova disso eu tive quando vi um cara fortão, marrento, daqueles que chegam até na igreja em posição de ataque. Ele tinha até um tic nervoso que deixava sua cara em eterna raiva mesmo durante uma boa piada. Pois foi esse cara que, ao meu ver, devia saber todos os Duro de Matar de cor e salteado, me sai com essa:
- Filmes violentos deviam ser proibidos, são péssima influência. Eu não vou sair de casa pra ver alguém morrer. A gente liga a TV e só tem morte, morte. É preciso um pouco de distração.
Vamos por partes, como diria o Jack. Concordo que o cinema é a mais bela fábrica de ilusões e que é uma delícia sair do cinema leva, com a sensação de que a vida é bela e nem tudo está perdido. Também acho que a violência da realidade já é gigante. Mas não acredito que um filme possa ser influente nesse ponto. O caso da tragédia na escola Tasso da Silveira, no bairro de Realengo no Rio de Janeiro está em todos os jornais e muitos são os que põe a culpa da violência do assassino Wellington Menezes na internet. Isso mesmo. Muita gente tem dado uma importância gigante para o fato dele passar horas na internet e no video-game como o ponto de partida para a execução de seu plano de "vingança". Lembra muito o caso de um jovem de classe média que entrou atirando dentro de um cinema durante uma sessão do filme Clube da Luta, de David Fincher. Muita gente colocou a culpa no filme.
Meus caros, assisto filme violento desde que me entendo por gente e jamais teria coragem de sair matando por aí, mesmo em momentos de raiva extrema. O culpado não é a internet e muito menos o filme. Os motivos que levaram esses dois meninos a cometerem seus crimes vem de muito antes. Não vai ser uma obra de ficção a responsável.
Os filmes violentos existem para que a gente exercite nosso lado feio, sujo e malvado. E não venham com alma pura, que todo mundo tem um lado assim. Seja raiva do mosquito que não te deixa dormir até o chefe que pensa que sabe tudo e não te deixa trabalhar. Como não temos coragem e nem sangue frio para sair matando por aí, vamos ao cinema ou lemos um livro que faça por nós, que alivie nossa tensão. Ver o sangue na tela traz uma espécie de alívio. Proibir jogos ou filmes violentos não adianta nada. A melhor saída é conversar e entender quem está do outro lado da tela. Afinal, são eles que escolhem apertar ou não o gatilho.

Bjus da Bia

sábado, 9 de abril de 2011

Sufoco


Parece que foi ontem o dia em que tive, diante dos meus olhos, pela primeira vez, o filme 12 homens e uma sentença. Confesso que loquei mais pelo fato dele ser protagonizado pelo meu então amor platônico Henry Fonda do que pela sinopse. Aliás, eu confesso, nem li a sinopse. Simplismente me deparei com aquele par de olhos azuis e agarrei a caixinha da prateleira da locadora. E o que era para ser mais uma sessão de suspiros pelo mais elegante ator americano, tornou-se uma aula de cinema. Sidney Lumet entrou rasgando no meu coração. Eu estava apaixonada.
Hoje, ou saber de sua morte, aos 86 anos, vítima de um linfoma, fiquei em choque. Lumet é daqueles diretores que a gente pensa que nunca vão morrer. Ele ainda estava na ativa e mantinha seu talento intacto. Prova disso é seu último filme, Antes que o diabo saiba que você está morto, uma raridade sufocante e que injeta adrenalina no público a cada frame. Lumet adora essa agitação, esse clima quente de Nova York e fez questão de imprimir isso em maravilhas como Serpico, Um dia de cão e O príncipe da cidade. E o sufoco também está em 12 homens e uma sentença. Ele seca nossa garganta, nos faz pensar, participar junto e analisar cada um daqueles homens, alguns mais animais selvagens do que racionais. Acho que era esse sufoco que mantinha Lumet sempre atento, uma eterna pressão que não deixava ele perder a mão para fazer o bolo chamado filme. E não era só essa a sua especialidade: fez tv e teatro com a mesma dedicação e maestria.
A morte de Sidney Lumet é mais um sufoco nesse começo de ano trágico para os cinéfilos. O que nos conforta é que o cinema tem o poder mágico da imortalidade e os filmes desse grande homem estão aí para quem quiser ver. E perder o ar.

Bjus da Bia

terça-feira, 5 de abril de 2011

Mestre Tas

Ontem, no meu amado CQC, mestre Marcelo Tas deu uma aula de amor, tolerância e respeito. E ainda tivemos uma amostra do nível dos nossos governantes na ilustre e podre pessoa do Dep. Bolsonaro. Educação vem de casa. E a casa onde ele foi criado não deve ter sido das melhores.



Bjus da Bia

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Esperança


O que você faz quando sente fome? Simples, dá um jeito de arranjar comida. Mas e quando não há comida? E eu não estou falando em geladeira desfalcada, mas em mundo desfalcado. Teria você, prezado leitor, coragem de devorar, literalmente, seu vizinho?
Papo estranho esse aí de cima, não? Mas é esse o clima do filme A estrada, do diretor australiano John Hillcoat. O longa tem seu foco na relação entre um pai e um filho sobreviventes de uma série de acontecimentos cataclísmicos que tornaram o planeta um lugar gelado, cinza e assustador, muito bem retratado na fotografia sombria de Javier Aguirresarobe. Mas sombrio de verdade é o protagonista, vivido pelo sempre arrebatador Viggo Mortensen. Desde a primeira cena ele já mostra a que veio, não poupando esforços para proteger e orientar o filho na selva que se tornou a Terra. E isso incluí técnicas de suicídio e a sensação de medo constante, onde a simples aproximação de um ser humano torna-se algo perigoso.
Diferente de outros filmes-catástrofes, que acreditam no poder de efeitos visuais grandiosos para causar impacto, A estrada resolve nos mostrar o estrago "do lado de dentro". Um homem e uma criança em busca de comida e um lugar quente para passar a noite; fugindo de pessoas que não viram outra saída para a fome que não o canibalismo. Não há coração e sentimento que resista. Dentro do pai Viggo Mortensen só restou o amor paternal e só. O resto que se exploda. Opinião que contrasta com a alma ainda inocente do filho, que acredita que não há mal nenhum em dividir o pouco que se tem. Um pequena guerra de atitudes que mexe com o espectador do começo ao fim, pois nossa razão e emoção ficam entrelaçadas e não sabemos direito quem está certo e quem está errado. Aliás, será que existe certo e errado num mundo destruído? É nesses momentos que a palavra esperança pisca, devagar, na tela, dando um pouco de alento para o público, que esquece, por alguns segundos, as árvores sem vida e o solo congelado ao se deparar com os rabiscos coloridos feitos pelo menino sobrevivente, que não sabe o que é Papai Noel. E, se soubesse, provavelmente não iria acreditar.
Quem conhece a obra do escrito Cormac McCarthy, na qual A estrada é inspirado, sabe que ele adora nos fazer sofrer. Lembram do indestrutível Anton Chigurh de Onde os fracos não têm vez ? E o sofrimento é duplicado graças a melancólica trilha sonora do mestre Nick Cave, velho parceiro de Hillcoat, como no maravilhoso faroeste A proposta, de 2005.
A estrada não é um filme para dias felizes, a não ser que você queira dar uma acalmada na euforia. Ao acomodar-se na poltrona, prepare-se: você estará diante de um mundo no qual ninguém quer viver. E tente não ficar emocionado ao ver a curta participação de Robert Duvall, representando todo o suplício do homem que só quer e sabe fazer uma coisa: sobreviver.
Bjus da Bia