quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Gosto de tabaco


Meu avô fumou do 14 aos 68 anos. Ou seja, cresci cercada de fumaça,conhecia praticamente todas as marcas de cigarro e o cowboy da Malboro talvez tenha sido um dos meus primeiros amores westerns. Sei que fumar faz muito mal a saúde e nunca senti a mínima vontade de experimentar uma tragada. Aliás, só de sentir o cheiro já me embrulha o estômago. Deve ser por isso que só me sinto a vontade com fumantes dentro da sala escura. E não estou falando de cinemas onde vale tudo. Eu gosto é de crivos acessos na tela grande.
O filme noir não seria tão noir sem a fumaça surgindo da ponta das piteiras das femme fatales ou próximos aos lábios dos rapazes charmosos. Bogart que o diga! Fez multidões se iniciarem no mundo do fumo e deixou esse mundo em decorrência de um câncer de pulmão. Escritores, suas máquinas de escrever...e seus cigarros. O jovem transviado, sua máquina potente...e seu cigarrinho combinando com a jaqueta de couro vermelha. Cigarro e cinema andam juntos faz tempo. Mas nenhum filme tem tanta nicotina quando Cortina de fumaça.A produção independente, lançada em 95 e dirigida po Wayne Wang, é uma verdadeira ode ao tabaco e as boas histórias. Na trama, troca-se a mesa de bar e suas filosofias baratas pela tabacaria comandada por Auggie Wren, interpretado com leveza e talento por Harvey Keitel, ponto de encontro dos amantes de cigarros e charutos. Entre um maço e outro, eles discutem basquete e futebol americano, sofrem, brigam. Wang pegou 5 personagens com histórias distintas, unidas apenas pelo rolinho branco que seguram entre os dedos. E o que poderia tornar-se um emaranhado sem pé ne cabeça é muito bem abordado pelo diretor, que demosntra em cada cena uma dedicação carinhosa por suas criações. Esse carinho também é fruto do autor do roteiro, o escritor Paul Aster, famoso por se valer do cotidiano para criar personagens tocantes sem nem uma pitada de pieguice.
Vencedor do Urso de Prata do Festival de Berlim, Cortina de fumaça inebria o espectador a tal ponto que, em certos momentos, é possível sentir o ar pesado pela fumaça. Da fotografia amarelada aos ventiladores eternamente ligados, tudo nos leva até o escaldante verão de Nova York, e a um Auggie obssessivo por fotografar a mesma rua, na mesma hora, faça chuva ou faça sol. Uma maneira de lembrar que aquele lugar que é sempre o mesmo, nunca está igual. Uma nova cor na parede, um novo morador no prédio, um novo artigo na vitrine. Tudo muda e é tudo igual. Como um cigarro depois do outro.
No mesmo ano de Cortina de fumaça, Wang e Aster se uniram novamente e fizeram Sem Fôlego, uma espécie de continuação do primeiro longa. O roteiro não é tão empolgante, mas vale pelas participações especiais de gente como Jim Jarmush,Lou Reed, Michael J. Fox e Madonna, numa verdadeiro ode aos tipos excêntricos americanos. Mas mesmo cheio de estrelas, Sem Folêgo não supera Cortina de fumaça e sua cena final, um monólogo de Harvey Keitel como só ele conseguiria fazer e a sequência que vem em seguida, merece aplausos por sua fotografia em preto e branco e a voz nicotinada de Tom Waits. Daquelas cenas que deviam poder ser tragadas de tão boas.

Bjus da Bia


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