segunda-feira, 4 de abril de 2011

Esperança


O que você faz quando sente fome? Simples, dá um jeito de arranjar comida. Mas e quando não há comida? E eu não estou falando em geladeira desfalcada, mas em mundo desfalcado. Teria você, prezado leitor, coragem de devorar, literalmente, seu vizinho?
Papo estranho esse aí de cima, não? Mas é esse o clima do filme A estrada, do diretor australiano John Hillcoat. O longa tem seu foco na relação entre um pai e um filho sobreviventes de uma série de acontecimentos cataclísmicos que tornaram o planeta um lugar gelado, cinza e assustador, muito bem retratado na fotografia sombria de Javier Aguirresarobe. Mas sombrio de verdade é o protagonista, vivido pelo sempre arrebatador Viggo Mortensen. Desde a primeira cena ele já mostra a que veio, não poupando esforços para proteger e orientar o filho na selva que se tornou a Terra. E isso incluí técnicas de suicídio e a sensação de medo constante, onde a simples aproximação de um ser humano torna-se algo perigoso.
Diferente de outros filmes-catástrofes, que acreditam no poder de efeitos visuais grandiosos para causar impacto, A estrada resolve nos mostrar o estrago "do lado de dentro". Um homem e uma criança em busca de comida e um lugar quente para passar a noite; fugindo de pessoas que não viram outra saída para a fome que não o canibalismo. Não há coração e sentimento que resista. Dentro do pai Viggo Mortensen só restou o amor paternal e só. O resto que se exploda. Opinião que contrasta com a alma ainda inocente do filho, que acredita que não há mal nenhum em dividir o pouco que se tem. Um pequena guerra de atitudes que mexe com o espectador do começo ao fim, pois nossa razão e emoção ficam entrelaçadas e não sabemos direito quem está certo e quem está errado. Aliás, será que existe certo e errado num mundo destruído? É nesses momentos que a palavra esperança pisca, devagar, na tela, dando um pouco de alento para o público, que esquece, por alguns segundos, as árvores sem vida e o solo congelado ao se deparar com os rabiscos coloridos feitos pelo menino sobrevivente, que não sabe o que é Papai Noel. E, se soubesse, provavelmente não iria acreditar.
Quem conhece a obra do escrito Cormac McCarthy, na qual A estrada é inspirado, sabe que ele adora nos fazer sofrer. Lembram do indestrutível Anton Chigurh de Onde os fracos não têm vez ? E o sofrimento é duplicado graças a melancólica trilha sonora do mestre Nick Cave, velho parceiro de Hillcoat, como no maravilhoso faroeste A proposta, de 2005.
A estrada não é um filme para dias felizes, a não ser que você queira dar uma acalmada na euforia. Ao acomodar-se na poltrona, prepare-se: você estará diante de um mundo no qual ninguém quer viver. E tente não ficar emocionado ao ver a curta participação de Robert Duvall, representando todo o suplício do homem que só quer e sabe fazer uma coisa: sobreviver.
Bjus da Bia

2 comentários:

Libriana Voadora disse...

Cara, parece ser muito tenso... mas também parece ser muito interessante! (Ou então é a maneira como tu escreve, que faz parecer, hehehe). Eu fico angustiada com esse tipo de filme, e quando vejo sozinha tenho vontade de passar pra frente pra ver o final e acabar com a agonia!! (e às vezes faço isso xD) Beijos!!

Cla disse...

O filme é fantástico, e o instinto paternal do personagem é mesmo de congelar o espectador. Fiquei sem palavras depois de assistir, porque ele também mostra o medo se materializar e transformar a redenção em fuga impensada...Sei lá se deu pra entender o que eu quis dizer heheh Fato que quando eles conseguem aquele refúgio no porão de uma casa abandonada, eu me senti bem nutrida e limpa conforme o menino ia melhorando sua aparência... deu um alivio..:P bjo Bia - vc esta escrevendo bem demais!! aliás sempre escreveu, né.. sou fã!