
O mundo é mesmo muito doido. Um ator leva uma carreira para construir sua imagem de machão, encarando um papel de coronel turrão ou soldado sofredor atrás do outro pra no final levar um prêmio da Academia por um papel cômico. Foi isso que aconteceu com o saudoso Lee Marvin que, em 1965, colocou na estante (ou em cima da lareira, vai saber...) o homenzinho dourado por seu papel duplo em Dívida de Sangue, títulozinho mequetrefe para o filme que narra a trajetória da pistoleira Cat Ballou, vivida pela lindona Jane Fonda.
A metade dos anos 60 foi um período de mudanças no gênero western, graças a chegada das produções européias recheadas de humor. Dívida de Sangue foi contaminado por esses filmes, mas possui uma autenticidade ímpar. Juntou canções no melhor estilo musical da Broadway (interpretadas pelo comediante Stubby Kaye e por Nat King Cole!!!), muitos tiros e uma dose inteligente de diálogos engraçados. Isso sem contar a ousadia na escolha do elenco. A sexy Jane Fonda ganhou ares de professorinha e a cara amarrada de Lee Marvin teve que se dividir em duas. Uma hora ele é o malvadão sem nariz Tim Strawn e na outra o bêbado pistoleiro Kid Shelleen.

Uma prova de que a escolha de Marvin para o papel foi certeira é que o espectador consegue esquecer a fama de mau do ator, que arranca gargalhadas com suas caretas alcóolicas. Mas a cena crucial é a da transformação. Gastando munição em suas garrafas vazias de whisky para melhorar a mira e passando um perrengue para voltar a ser sóbrio, Kid Shelleen muda de sapo para príncipe numa das sequências mais legais do filme. A gente nem lembra que o pistoleiro charmoso já fez muita gente sofrer no clássico Os Doze Condenados, de Robert Aldrich.
O diretor de Dívida de Sangue, Elliot Silverstein, conseguiu colocar no filme um clima leve, divertido e um ótimo ritmo nas cenas de ação. Ele podia muito bem ter deixado a palavra paródia tomar conta do enredo e transformar tudo numa chata avacalhação do gênero western. Mas não. Há um respeito, uma preocupação com detalhes que deixa claro que Dívida de Sangue é um faroeste engraçado e não simplesmente uma comédia pastelão ambientada no velho oeste.
Mais uma prova de que esse mundo é doido, é que Elliot Silverstein iria dirigir anos depois de Dívida de Sangue um dos westerns mais violentos de todos os tempos: Um homem chamado cavalo, que marcou a história do gênero por suas cenas cruas de tortura. Prova de que se arriscar em vários tipos de filme não é atestado de falta de talento.
Bjus da Bia